A Estrela Polar
Há várias luas que não sinto o teu perfume. Antigamente, quando a distância era apenas ditada pelo nosso pensamento, bastava-me inspirar um pouco mais fundo e seguir a direcção do vento para te apanhar no ar. Ou então procurava na Estrela Polar que Deus pendurou no céu, o caminho mais curto, nos reflexos dos raios, para te encontrar, e num instante, mergulhávamos juntos num oceano platónico.
Era o tempo em que corríamos muito depressa e era sempre pouco porque podia ser o último e por isso nunca nos cansávamos de correr atrás dele. Era o tempo em que o nada era tudo e as palavras se silenciavam. Nesse tempo fingia que já não me doía a distância e tu convencias-te que era melhor assim. E depois, quando era obrigado a regressar ao mundo sensível, ao falso – mundo platónico, respirava fundo e apertava as mãos com muita força no volante e lembrava-me daquela frase – a dor afasta a dor – e experimentava isso mesmo, enterrando as unhas na palma da mão inversa, para esquecer...
Foram tempos difíceis, eu a olhar para a estrela e a encher-me de luz só para te ver e tu a planear a tua vida sem mim, metade de ti pedia-te para não fazeres isso, já a outra metade...
Depois de partires da minha vida, aprendi a esquecer-te nas ruas da cidade, descobri que afinal o oxigénio também me alimentava os pulmões mesmo sem o teu ar e que afinal a estrela brilhava da mesma maneira e o vento que me batia na cara era mais doce e sereno. Aos poucos, sem saber bem nem como nem porquê, o coração foi aprendendo o encanto do sossego e as noites deixaram de ser longas.
Não sei se te esqueci, parece-me que não é bem isso, nem se deixei de gostar de ti porque aqueles de quem já gostamos nunca se vão embora; é como se vivessem para sempre dentro do nosso coração. Não sei se a pele da palma das mãos voltariam a secar só de pensar que te podia ver outra vez como te vi, ou se os joelhos indicariam em subidas e descidas involuntárias um ligeiro ataque de pânico se nos cruzássemos na rua; ou se, pelo contrário, te estendia a cara para trocar um beijo rápido, quase impessoal que não me faria sequer virar a cabeça e seguir-te os passos no caminho inexorável da afastamento. Não sei como é a vida, os dias de hoje, o próximo minuto, o instante que se segue. O meu coração – ou o teu – podem de repente deixar de bater, nada é certo nem seguro; o destino é construção nossa, nada se agarra a não ser por escassos instantes e a vida ensina-nos num trino doloroso de magro consolo a aceitar na perda, uma vantagem qualquer, mas quando a estrela aparece e me apanha desprevenido num regresso a casa, olho-a consolada e brilhante e volto a sentir outra vez a mesma ansiedade, e teu cheiro regressa trazido pelo vento que sopra outra vez mais forte e eu volto a sentir um frio, tenso e invisível, um fio que imagino inquebrável e eterno onde o meu desejo se estica até ao limite e é quase como se te apanhasse no ar e mergulhássemos, outra vez, juntos, num mundo só nosso, que ninguém conhece, nem sequer desconfia que existe.

Um texto da autoria de Sérgio Morais, no distante, ou nem tanto, ano de 2002.